Sob a epifania de Cortona
Tenho um hábito curioso: uso palavras aleatórias como uma espécie de lembrete que me remeta a situações que considero especiais ou nem tanto. A partir daquele momento a palavra se torna “propriedade” do lugar ou pessoa. Assim, cada vez que a ouço ou a leio, minha mente automaticamente se volta para aquilo.
Pode não fazer sentido a ninguém, mas pra mim sim, e não pretendo explicar cada uma delas, afinal muitas não são bonitas. O que quero falar é sobre o meu novo ‘lembrete’: a palavra EPIFANIA. Ela não me saiu da cabeça enquanto estive em Cortona, a cidadezinha mais charmosa que conheci até hoje na Itália. Florença é minha preferida, e sempre será, mas o lugar mexeu comigo.
A epifania que digo aqui é no seu sentido filosófico, um sentimento de realização plena, um flash de compreensão da essência das coisas. Não tenho a pretensão de dizer que ali entendi o sentido da vida, mas que a compreendi com tudo o que posso até agora.
À medida em que me aproximava daquela cidade encrustada na colina já me impressionei com o panorama, como dizem os Italianos. Estava ainda na parte baixa. Tudo parecia tão diferente do que estava acostumada a ver. Não tinha sequer uma igreja que chamasse a atenção, como é de costume naquele país. Surpresa maior estava reservada para o momento em que desci do carro e olhei para trás: a paisagem mais linda que já vi até hoje. Um vale imenso, algo fora do comum. E lá na linha do horizonte o Lago Trasimeno como brinde.
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Confesso que num primeiro momento senti vontade de fazer como o Jack , personagem do Leonardo di Caprio no filme Titanic, quando ele abre os braços na proa do navio e grita: “I’m the king of the world!” Não o fiz porque não quis parecer louca. Foi impossível não me sentir especial pelo simples fato de estar ali.
Bingo! Epifania!
A cidade é daquelas cheias de ladeiras acentuadas, mas isso não lhe tira o charme. Pelo contrário, o acentua. Turista não pode se queixar de bater perna. Cortona é província de Arezzo e situada nos limites da Toscana e Umbria. Fica a aproximadamente 600 metros acima do mar e é toda cercada por muros, assim como a maioria das cidades medievais. Foi cenário do filme “Sob o Sol da Toscana”.
Não há muitas lojas, mas todas seguem o estilo da cidade e são igualmente charmosas. Trattorias, por sua vez, se tem por todo lado. Nem sempre muito visíveis, bastando um olhar um pouco mais atencioso para encontrá-las. Parados em frente a uma delas estávamos lendo o menu: eu, Maria e Luciano. Tínhamos feito isso em várias outras e não havíamos decidido ainda onde entraríamos. De repente a porta abre e um senhor muito simpático nos diz: “Buon giorno!” Faz um gesto com o braço nos convidando para entrar e em seguida aponta para o céu e diz: “is raining!”. Pronto! Nos conquistou e no segundo seguinte já estávamos dentro procurando nosso assento. Que lugarzinho agradável.
Ali naquele restaurante a palavra epifania aparecia na minha cabeça de forma insistente, principalmente depois que as entradas chegaram: as melhores bruschettas da vida. Espero um dia na vida conseguir fazer algo parecido com essas.
Nessa hora virei para Maria e disse: lembra de um quadrinho que tinha em sua casa há muitos anos onde estava escrito: “A felicidade se encontra nas pequena alegrias”? Ela deu uma risada gostosa, concordando. E eu: “Então! Essa é uma pequena alegria. Isso, aqui e agora, dá mais sentido a minha vida”
Uma vez li que Michelangelo ao ser questionado sobre sua técnica para fazer esculturas, disse algo do tipo: “é simples, pegue o martelo e o cinzel e tire do mármore tudo o que não interessa”. Partindo daí penso: o que não somos nós a não ser um pedaço de mármore bruto e que o tempo vai esculpindo? Uns se tornando obras de arte, outros nem tanto.
Situações como essas me esculpem, me tornam uma pessoa melhor, como uma obra de arte em construção. Me tiram os excessos e fazem aprimorar e reafirmar o meu desejo e minha aptidão para ser feliz. E digo mais: alarga a consciência de mim mesmo e do mundo que me rodeia.
E isso pode acontecer conosco em qualquer lugar ou momento. Mas uma certa dose de predisposição ajuda. A minha hora foi em Cortona, a qual verei em breve. E da próxima vez no verão. Foi o que me recomendaram.
Fotos: Arquivo Pessoal
“Maísa Lemos é nossa irmã. Fantasia-se de advogada em horário comercial e de mãe do Davi em horário integral. Louca por música, literatura, corrida e cultura inútil dos anos 90. Com sua imaginação fértil, já percorreu todo o mundo enfrentando as mais variadas situações e perigos. Pretende agora conhecê-lo pessoalmente.”
Informações adicionais
– Como chegar em Cortona? O Ricardo Freire tem um post completaço com todas as dicas no Viaje na Viagem
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Viajei junto com a Maisa, quer dizer durante a leitura deste “POST”. Preciso urgente fazer esta viagem que me contagiou só de ler. Imagino que deve ser um lugar mágico, pretendo conferir em breve durante minhas andanças por este mundão de meu Deus.
Há, amei a descrição que o Marcelo faz da irmã Maisa rsrsrsr….Fenomenal.
Que legal! Já tive uma epifania dessas em vários lugares, por exemplo Queluz, Portugal e na Ilha de Páscoa também!
Muito bom o texto da colega Maisa! Ótima palavra para descrever o que nos toma quando conhecemos a Toscana: “epifania”. E se nos acompanha uma excelente garrafa de vinho da terra, então, vamos além; vemos anjos ao nosso lado!!!
Lindo Maisa! É por estas e outras que amo tanto esse país.
Sou feliz por ter participado com você desses momentos que espero se repitam em um futuro próximo.
Amei, viajei na paisagem, ainda mais com a referência do filme.. Foi muito poético.
Ao ler esse texto me perdi…não estava lendo e sim ouvindo uma personagem narrando o início de um belo filme. A descrição me levou para longe, imaginando o que viria a seguir.
Realmente VI aquele senhor da Trattoria, baixinho, gordinho, bochechas rosadas e cabelos grisalhos…rs.
De repente um ponto final.
Fica agora o imenso desejo de “assistir” as próximas cenas.
Ma, que em sua vida você viva outros momentos tão belos ou mais que esses.Obrigada por compartilhar esse momento de paz tão íntima com a gente.
Ciao Maisa
Ho letto con attenzione il tuo commento sul nostro viaggio a Cortona ed in Umbria e ne sono rimasto molto colpito .Mi fa molto piacere constatare che hai apprezzato molto questa piccola citta’ antica
e consumata dal tempo. La cultura,il paesaggio e le tradizioni come L’epifania, o meglio, La Befana come diciamo noi italiani. Ma quello che ho apprezzato di più’ nella tua descrizione è l’entusiasmo e la scoperta di una filosofia di vita diversa, forse più’ semplice, ma che riempie il cuore.
Per me come accompagnatore e italiano le tue parole sono state il regalo più bello.
Abbracci . Luciano.
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